27 maio 2008

:*

- Vou me matar hoje à noite...
- E como você pretende fazer isso?
- Ainda num sei.
- Tira a roupa.
- Quê?
- Tira aí, ô.
- Pra quê? Você quer que eu me mate pelado?
- Não pergunte, tira logo.
- Eu não quero passar minha última noite na terra fazendo algo estúpido na frente dum PC.
- Ah, não? Você já está fazendo isso.
- Sim, mas ainda tou de roupa. Você é que deveria fazer isso, como um último pedido.
- Se eu fizer, você promete que num conta pra ninguém?
- Ei, eu vou estar morto em algumas horas, qualé?
- Talvez você esteja online com outra pessoa agora mesmo.
- Num tou. Eu não tenho mais ninguém pra conversar, você sabe disso.
- Hmmm, tá bom, eu posso até fazer isso, mas você tem que me prometer mais uma coisa.
- O quê?
- Eu tiro minha roupa, mas ao invés de se matar, você vai entrar num ônibus e vir até aqui. Te mandei o endereço aí. Eu fico te esperando.
- Não posso te prometer isso.
- Por que não?
- Porque não tem lógica! Aí não seria um último pedido, afinal de contas. Por que você faria isso, nesse caso?
- Porque eu também não tenho mais ninguém pra conversar...
- E como eu vou saber que isso é verdade?
- Você sabe. Não tenho mais ninguém.
- Eu acho que você está dizendo isso só pra me impedir de me matar.
- E eu acho que você está dizendo que vai se matar só pra me ver pelada.
- Isso não é verdade. Você que começou com essa estória de tirar roupa.
- ...
- ...
- Tá bom, olha aqui minha proposta: desliga seu computador, sai de casa, pegue aquele ônibus e me mande uma mensagem quando você já estiver nele. Eu começo a tirar a roupa nessa hora. Eu deixo minha webcam gravando, e quando você chegar, me chame no interfone, e eu te mando o video no seu celular. Aí você vai ver que é verdade.
- Fechado. Tou indo então.
- Beleza, até mais.
- Té.

20 maio 2008

that's how strong my love is

Berlioz, compositor francês do século 19, em suas memórias:

"Dois anos atrás, numa época em que o estado de saúde de minha esposa fazia-me incorrer em muitas despesas, mas ainda havia alguma esperança de melhora, sonhei, uma noite, que estava compondo uma sinfonia, e no sonho eu a ouvi. Ao acordar na manhã seguinte, pude lembrar todo o primeiro movimento, que era um allegro em lá menor em compasso dois por quatro [ ... ] Ia sentar-me à mesa para escrevê-lo quando pensei: "Se eu for, serei levado a compor todo o resto. Minhas idéias sempre tendem a expandir-se hoje em dia, e essa sinfonia pode muito bem ser numa escala enorme. Passarei talvez três ou quatro meses nesse trabalho (levei sete para escrever Romeu e Julieta), e durante esse tempo não farei nenhum artigo, ou no máximo uns poucos, e minha renda consequentemente diminuirá. Quando a sinfonia estiver escrita, estarei fraco o suficiente para ser persuadido pelo meu copista a mandá-la copiar, e com isso imediatamente entrarei numa dívida de 1000 ou 1200 francos. Assim que tiver as partituras, serei atormentado pela tentação de ouvir a obra tocada. Darei um concerto, cuja receita mal cobrirá metade dos custos - isso é inevitável hoje em dia. Perderei o que não tenho e ficarei sem dinheiro para cuidar da pobre doente, não poderei mais pagar minhas despesas pessoais nem a estada do meu filho no navio no qual ele em breve embarcará". Estremeci com tais idéias, larguei a pena e pensei: "E daí? Amanhã já terei esquecido!". Naquela noite a sinfonia tornou a aparecer-me e ressoou obstinadamente em minha cabeça. Ouvi o allegro em lá menor distintamente. E mais: pareci vê-lo escrito. Acordei num estado de excitação febril. Cantei o tema para mim mesmo; sua forma e caráter agradaram-me imensamente. Eu estava a ponto de me levantar. Mas os pensamentos que tivera antes voltaram e me seguraram. Quedei-me ali, empedernindo-me contra a tentação, agarrado à esperança de esquecer. Por fim, adormeci; e quando tornei a acordar, a lembrança da música desaparecera para sempre."

Uma não-canção de amor - é o que isso é.

12 maio 2008

Rufus, o lenha-dor


Show do Rufus Wainwright ontem. Voz + piano, ou voz + violão. Como é bom assistir essas "personas únicas" ao vivo. O sujeito entra, e nos 5 passos que dá até o piano já fica claro: 100% gay, com orgulho. É isso aí. Começa a tocar, beleza, o som tá ótimo. A aí o danado começa a cantar, e pooooootaquelospadres, é de perder o fôlego. Nunca ouvi alguém tão afinado. Nunca mesmo. Ele respira afinado. E sai voz pra tudo quanto é lado, que coisa. E o som bom pra burro, quase sem reverb na voz. Sim, porque quase todo mundo acha que cantar muito é seguir o padrão "Fama" de empostação, e encher de reverb.

Acaba a a primeira música, ele fala merda pelos cotovelos, num estilo Priscila "ai gentem desculpa, essa música é tããão deprimente, afffe, enfim..." e num contraste absoluto de trincar os dentes começa mais uma de suas canções corta-pulsos. Ele parece se defender de uma catarse emotiva em público com essas tiradas e finais engraçados pra músicas tristes. Eu tinha um professor de violão que fazia algo semelhante - ele tocava suas composições, eram muito bonitas, mas no final, ele antes de morrer a última nota, no momento em que a lágrima ia cair, ele parava subitamente, batia no instrumento, e "AH, vc viu né, tem aquele fá sustenido etc etc..."

Depois, o R. W. vai pro violão. Ele toca como um moleque de 8 anos que teve uma semana de aula. Tosco, pom, pim, pom , pom... E enfiando a mão, com muita força. Chega a ser engraçado. E aí manda aquela voz fenomenal por cima. Aí tudo faz sentido. Junta uma pureza quase "indie" de "não sei tocar mas toco mesmo assim por que senão eu morro" com o monstruoso talento emocional e técnico que o fedazunha tem.

E agora, quedê o show com a banda toda? Mais um pro meu wishlist.

Palmas, que ele merece.

05 maio 2008

Servir bem pra servir sempre!

- Escuta, eu tou aqui nessa fila do carimbo tem umas 3 horas, e agora que chega minha vez você me diz que a fila que eu tenho que pegar é a do outro guichê?
- Infelizmente senhor, é isso mesmo...
- Mas eu vim do outro guichê! E de lá me mandaram pra cá!
- Pois é, mas infelizmente o senhor vai ter que se dirigir ao outro guichê.
- Que coisa, mas chegando lá eu posso passar na frente da fila, né?
- Olha, isso eu não posso estar garantindo.
- Hmmm, eu poderia falar com o seu gerente?
- Bem, acho que o senhor não está suficientemente nervoso.
- Como assim?
- Acontece que aqui a gente só chama o gerente se o cliente estiver bem nervoso, fazendo escândalo e tal...
- Sério?
- Isso. Se o senhor ficar bem descontrolado de verdade, eu até consigo resolver seu problema nesse guichê mesmo. Nem precisa ir no outro. Já sai daqui com o documento carimbado.
- Mas isso é uma doideira completa. Eu sou uma cara calmo. Calmão, ponderado. Quer dizer que por isso vou ter que esperar mais que os grosseirões que entrarem aqui?
- Exatamente. Se o senhor continuar calmo assim, com certeza vão te mandar do guichê de lá pro de cá mais uma vez.
- Mas isso é um absurdo! Por favor, quero mesmo falar com o gerente!
- Calma senhor...
- Que calma o quê! Onde já se viu uma coisa dessas? Me chame o gerente!
- Infelizmente o senhor não está puto o suficiente.
- Como não? Tou puto sim! Puto! Me chame o gerente agora!
- Sinto muito mas o senhor está só fingindo que está puto. O senhor é mesmo muito calmo, parabéns.
- Eu era calmo! Era! Vai me chamar o gerente agora ou eu te parto a cara, seu palhaço.
- Ih, olha o nervosinho aí... Pra me fazer chamar o gerente o senhor tem que ficar muito mais puto.

Nessa hora o sujeito passa por cima do balcão, dá uma voadora no atendente que cai de costas surpreendido com a rapidez do ataque. Em seguida o atendente é triturado por uma sequência de uppercuts, cruzados e diretos de direita que o deixam com uns três dentes a menos. E um nariz a mais. O cliente se recompõe, pega o carimbo na mesa do guichê e ele mesmo autentica o documento que precisava. Sai pisando duro, sob o olhar espantado de todos os outros que estavam na fila. O atendente se levanta, endireita a gravata, limpa como pode o sangue da boca inchada, e anuncia:

- Prófimo!